para ler escutando essa playlist.
cada vez que vou baixar um livro, um filme ou um documento qualquer pelo asdocs.net, me deparo com aquele “baixar lentamente”, que varia de 188 a 366 segundos, tempo de espera na página para que o arquivo comece a ser descarregado. "quem tem 300 segundos sobrando pra ficar esperando?", é meu primeiro pensamento. é um exercício de espera que às vezes, não quero fazer e, ao constatar isso, entrei no que vou chamar aqui de sofrimento da brevidade.
jonathan crary - que li impresso, não baixei lentamente -, quando escreveu sobre esse “tempo sem tempo”, que nos coloca em disponibilidade produtiva 24/7 e que fala que o descanso e o repouso sono são as últimas barreiras do capitalismo, já gritou nos nossos ouvidos a resposta que hoje damos a um captcha automatizado. byung-chul han - às vezes não acredito que ainda exista (dentro dessa nossa bolha) quem não tenha lido - já teceu sua análise e a crítica a esse modelo de capitalismo que nos torna nosso próprio malvado. favorito, nem tanto. autocentrado? completamente.
nesse artigo profundo - e que você precisa dedicar um tempo pra ler - da new yorker, nathan heller, o autor, fala que a nossa capacidade de prestar atenção está perturbadoramente em declínio, por conta de uma vida rápida e dispersa que acaba com a nossa concentração. uma vida em que alarmes tornaram-se urgentes, todos eles, o ritmo dos filmes acelerou e a duração média das músicas pop no topo das paradas está cerca de um minuto menor. em 2004, nós mantínhamos a atenção em uma tela por volta de dois minutos e meio. hoje, apenas vinte anos depois, por quarenta e sete segundos.
taí, conseguimos despender apenas 47 segundos do nosso tempo. 366 segundos é esperar demais.
a gente sabe que isso é projeto ideológico do capitalismo - será que sabe? - e que eufemismos como “gestão do tempo" são apenas formas de medir e impulsionar produtividade. a batalha pela atenção é assunto da economia, de uma ideia de progresso neoliberal.
em vita contemplativa, byung-chul han fala que perdemos cada vez mais a capacidade contemplativa pela coação crescente à produção e à comunicação. o demorar contemplativo não consegue existir nessa ideia de progresso, nessa sociedade de timesheets. a escassez do tempo mora na perda da atenção.
“o coração humano não consegue mais oferecer um refúgio para a imortalidade. se o coração é o órgão da recordação e da memória, então, na era digital, somos inteiramente desprovidos de coração. salvamos toneladas de dados e informação, mas sem recordar. afastamo-nos de toda forma de “para sempre". renegamos práticas de tempo intensas como fidelidade, promessa, confiança e compromisso. provisoriedade, brevidade e inconstância dominam a vida”
(byung-chul han, vita contemplativa ou sobre a inatividade)
minha afilhada
é uma representante do puro suco gen z, essa geração que não sente saudades do tempo contemplativo, do tempo que se podia esperar 300 segundos. vai vendo se ela vai esperar três semanas por algo que esperamos por meses e, muitas vezes, por anos.para a geração da lali, não há sofrimento na brevidade, mas sim na ausência dela. ela pediu demissão desse trabalho cerca de um mês depois dessa conversa que tivemos em 5 de abril. não há aqui tempo a contemplar. 21 anos me separam da lali.
o olhar demorado, para a nossa geração burnoutinho, talvez seja hoje um dos mais valiosos bens e um dos primeiros a serem sacrificados. o
escreveu, em uma das edições mais bonitas (e carregadas de melancolia) da sua news, que "dias cada vez mais parecidos com outros, estações quase indistinguíveis, a nova reunião, a espera pelas férias, o feriado”, tornaram-se, eles mesmos, marcações de um tempo visto por uma pequena fresta, um “borrão". antes beleza do cotidiano, hoje tentativas vagas de segurarmos o tempo.“o fato de que nossos vizinhos se mudem cada vez mais frequentemente, que nossos parceiros de vida, assim como nossos empregos, tenham uma 'meia-vida’ cada vez mais curta, e que as modas no vestir, os modelos de automóveis e os estilos musicais populares se sucedam em velocidade crescente. assistimos a um verdadeiro ‘encurtamento do presente'“
aceleração no ritmo das nossas vidas - tentamos viver mais rapidamente. preenchemos com mais eficácia nosso tempo, evitando perdê-lo, e, estranhamente, tudo o que devemos e queremos fazer parece aumentar de forma indefinida. a 'falta de tempo’ aguda converteu-se em estado permanente das sociedades modernas. resultado? perda da felicidade, burnout e depressão em massa.
essa aceleração social que produzimos e sofremos sem parar não tem a ambição de melhorar nosso nível de vida, ela serve apenas pra manter o status quo.”
(pablo servigne e raphael stevens - como tudo pode desmoronar?)
ando me deparando frequentemente com conversas sobre tempo. não é uma busca intencional, mas se eu fosse um pouquinho mais mística, diria que são sinais. e assim perceber que a construção da nossa ideia de tempo passa ao largo de profundas questões de raça; e assim perceber que a ideia de fim de mundo é uma narrativa de desmoronamento do tempo; e assim perceber que a romantização da rotina (dica da
) que tanto estamos procurando é ela também uma espécie de hack no tempo.uma das resoluções que escrevi em 1º de janeiro é “cultivar uma relação mais saudável com o tempo”. “mas que tempo?", você ainda vai me perguntar.
são tantas as amarras da brevidade em que vivemos - é claro que vivemos -, que resistir significa meio que negar o óbvio, negar um pouco da realidade - e do sofrimento dessa brevidade. o que é uma relação saudável com o tempo senão um tabefe no cotidiano?
comecei a criar estratégias para criar aqui dentro esse “tempo lento". ou estratégias para “desarrumar o tempo", expressão também do terto no texto dele. vê se não é a expressão mais bonita pra isso que a gente busca? livros e filmes longos que exigem mais tempo de presença e decantação, pausas para cochilos nos dias mais preguiçosos, cafés da manhã sem relógio e sem pressa…
eu ainda não consigo não revirar os olhos quando o captcha começa a contagem regressiva dos 366 segundos, mas agora eu espero.
ando escutando boas músicas, lendo bons livros e assistindo bons filmes. também estava entre as resoluções de ano novo que estou conseguindo cumprir. na próxima news, prometo uma curadoria especial.
@lucasfresno cantando viração sábado, no altas horas, me emocionou muito e me deixou com uma saudade absurda de casa. aliás, tudo que está acontecendo está mexendo com meus sentimentos de pertença e lugar.
o que eu tenho conseguido falar sobre a catástrofe ambiental que devastou a minha terra estou falando lá no instagram. por aqui, o máximo que eu consigo é pedir: continuem doando.
um beijo, cariño
catita :)
esse texto foi um abraço e uma xícara de chá, um pedido pra parar e contemplar <3
Que abraço esse texto. É pra ser lido e relido <3