as boas notícias da catita #44
atravessada por uma vontade imensa de saber o que me forja, me forma, me torna. capítulo um: as plantas.
eu não sei se essa vontade é pela presença da minha mãe aqui em casa e as memórias que compartilhamos (e aquelas que não compartilhamos), se são as sessões com o novo analista que eu tô amando (devemos amar nosso analista google pesquisar), se é o maternar intenso e atordoante que estou vivendo com a minha filha, que fala espontaneamente que me ama, me olhando com os olhos cheios desse amor e sorrindo (e mama ferozmente em qualquer oportunidade) ou o eminente sentimento de mudança que tem me feito companhia há alguns meses. desejo. não sei se são as dores e medos que eu ainda não estou pronta pra nominar. carregada do plural de "não sei” e que não sei como se escreve, ouço vício, do phil veras, enquanto começo a escrever essa newsletter.
essa vontade de saber qual é a minha forma tem sido a questão norteadora das minhas buscas por algo de original que ainda sobreviva em mim. essa busca que talvez tenha começado quando decidi que queria montar a árvore genealógica da minha família, percebi que não tinha quase nada de informação sobre nenhum dos lados, fui perguntar no grupo da família no whatsapp, aquele em que só se trocam figurinhas de bom dia, e descobri que uma prima de segundo grau também estava fazendo esse movimento. de forma comprometida, com direito a visitas em cartório e tudo, a busca dela. será que a resposta está nessa coisa de rastrear suas origens ancestrais? parei nos meus avós, pois só de lembrar do número de irmãos da minha mãe já bateu um cansaço, mas preciso retomar. quero retomar, mas ainda preciso um porquê bem estruturado pra isso.
uma das primeiras coisas que pedi pra minha mãe quando ela chegou pra passar o mês com a gente aqui foi que me ajudasse a dar um jeito nas minhas plantas, que estavam à própria sorte, sobrevivendo a uma rega semanal, a luz boa e o sol desse apartamento. não sei porque eu não pedi uma comida dela que eu amasse - talvez porque a minha mãe não goste de cozinhar e levou muitos anos pra assumir isso sem culpa pra ela mesma, mas pensei imediatamente nas plantas, porque minha memória mais forte dela são as plantas que sempre abundaram na nossa casa e que eram sua terapia pelo menos um sábado por mês, dia em que ela terminava preta de barro no fim da tarde, mas calma daquele jeito que a gente fica sei lá, depois de chorar muito. mas minha mãe não chorava, pelo menos não na nossa frente. ela ficava em silêncio cuidando das suas plantas. na adolescência, eu chamava aquilo tudo de mato, incomodada, com certa vergonha até. foi só depois de um bom tempo morando sozinha, na minha terceira ou quarta casa que ela me trouxe as primeiras mudas de alocasia longiloba, que eu tenho até hoje. ou talvez eu tenha feito uma tentativa anterior com cactos. sorte é que a partir daí, as plantas foram se tornando amor e terapia também na minha casa, uma tentativa de conexão com a natureza, mesmo dentro de um apartamento, no 13º andar, num bairro qualquer da cidade de são paulo. com a natureza de quem sou também, aquela que é a mais forte, a que vem da mãe, do ubre.
antes dela ir embora, vou perguntar de onde veio a sua conexão com o mato porque não é algo só de nascer na roça, é um cuidado que é de si e do lugar onde se está. e depois dessa resposta, vou atrás de outras. até encontrar minha própria pedra fundamental.
❤ a maravilhosa néli pereira falou sobre o inferno do igual no último domingão do balcão e isso tem tudo a ver sobre esse papo aqui em cima. assista aqui.
❤ nessa edição da sua newsletter outracozinha, a carla soares falou sobre o que torna especial cada lugar, cada receita, cada livro de receitas. sobre as muitas formas de se ler um livro de receitas, inclusive como manifestação cultural de um lugar, um tempo.
"em nome de uma ideia de universalidade, acaba-se matando uma série de especialidades.”
❤ eu já indiquei ela aqui, mas quero indicar hoje de novo. a mari moro é a dona de uma das melhores newsletters dessa nossa geração. enquanto tá quase todo mundo pretensiosa e monotonamente escrevendo sobre as dores de ser escritor e sobre oseuprocessodeescritaqueéomesmoprocessodeescritadetodomundo, a mari tá escrevendo sobre o que sente, sobre o que tem vivido, transformando em bom texto as suas inquietudes. há um abismo de diferença aí. meu deus, ela tá escrevendo bem demais e essa edição da sua isto não é um telegrama, com pedaços do seu diário, vai ficar salva nos meus favoritos e vai virar exemplo nas minhas mentorias de conteúdo.
tenho retomado a leitura com um ritmo mais próximo do que o que eu desejo. esse ritmo, mais do que metas de leitura traduzidas em números de livro por ano, esse ano é sobre o quanto de leitura me faz bem dentro da rotina. e isso faz uma diferença enorme nos meus dias. eu compartilho mais meus diários de leitura no instagram, mas os destaques merecem uma indicação mais generosa por aqui também.
❤ byung-chul han continua sendo o meu probleminha das ideias favorito e em a expulsão do outro, ele trata dos efeitos da hipercomunicação, da barulheira digital sem direito a fuga a que estamos submetidos, do mimetismo social constante e da falácia da autenticidade que, segundo ele, são todas condições do mesmo sistema, em que não há espaço político ou social para a dor, a solidão, o silêncio ou o sofrimento, mesmo que sejam fundamentais para a arte, o intelecto, os afetos e a interação social.
❤ eu devia pra mim mesma há muitos anos a leitura de só garotos, da patti smith e esse ano, quando peguei, entendi o tamanho da poesia que é a vida e a alma dessa mulher.
❤ quando eu vi o post da todavia anunciando departamento de especulação, quis ler naquele lugar de mãe apagada dentro de uma maternidade e uma vida ordinária. quando eu comecei a ler, vi que o que se passava ia além dessa mãe, era sobre os pequenos afogamentos que atingiam todas as pessoas dentro de um relacionamento, incluindo esposas, esposos, filhos, afetos. vou reproduzir aqui o que escrevi sobre ele no instagram: “a tristeza desse livro é quentinha, mas ainda assim é uma tristeza. que se sente, que sente quem sente. um romance sobre o esquecimento de si dentro de uma estrutura como o casamento. poderia ser outra estrutura. poderiam ser outras, além do casamento. maternidade (ou paternidade), trabalho, família, deveres sociais. a personagem esposa deveria ser uma escritora - ela é uma grande escritora- mas no fim, ela cuida dos textos vaidosos de escritores medíocres. recortado entre bilhetes trocados com o marido, pequenos pensamentos, prosas e conversas cotidianas entre o casal, observações da filha, amizades passantes e uma traição, departamento de especulação é um romance triste que a gente lê gostando, até se divertindo, como dizia uma crítica.”
❤ puxei hoje no instagram uma chamada para uma leitura coletiva de o caminho do artista, que comecei em 2020 e não acabei. queria retomá-lo, mas não sozinha, queria uma troca sobre os processos e artifícios de estímulo à criatividade. acabou que muito mais gente do que eu esperava aceitou o convite e nos próximos dias, vou organizar essa agenda pra começarmos. se você quiser se juntar a nós, manda um eu em resposta a esse e-mail.
❤ a arte perfeita dessa news é da ilustradora @nataliagregorini.
eu volto, vocês sabem, desse meu jeito.
um beijo, cariño
catita
que delícia esse texto, Catita! li ouvindo a música "vício" - que eu não conhecia, mas já foi para minha playlist "meu baú de achados bons" (obrigada!).
talvez a vida seja isso mesmo, a eterna busca por essa tal pedra fundamental. no dia que a gente achar, talvez perceba que é só uma lasquinha dela, que tem muito mais por aí. e vamos colhendo cada lasquinha e formando a pedrona, que nunca estará inteira. sei lá, talvez.
que lindo esse texto, meu amor <3 que gostoso que é acompanhar teus processos.